O Espiritismo e a Literatura Contemporânea

Livro: Revista Espírita

Autor: Allan Kardec

 

(Paris, 14 de setembro de 1869)

 

O Espiritismo é, por sua própria natureza, modesto e pouco ruidoso. Ele existe pelo poder da verdade, e não pelo barulho feito em seu redor por seus adversários e partidários. Utopia ou sonho de uma imaginação desordenada, após um breve sucesso ele teria caído sob a conspiração do silêncio, ou melhor ainda, sob a do ridículo que, segundo se pretende, tudo destrói na França. Mas o silêncio não aniquila senão as obras sem consistência e o ridículo só mata o que é mortal. Se o Espiritismo sobreviveu, embora nada tenha feito para escapar às ciladas de toda natureza que lhe armaram, é porque não é obra de um homem, nem de um partido, mas o resultado da observação dos fatos e da coordenação metódica das leis universais. Supondo-se que os seus adeptos humanos desapareçam, que as obras que o erigiram em corpo de doutrina sejam destruídas, ele ainda sobreviveria por tão longo tempo quanto a existência dos mundos e das leis que os regem.

Alguém é materialista, católico, muçulmano ou livre pensador por sua vontade ou sua convicção; mas basta existir, se não para ser espírita, ao menos para estar sujeito ao Espiritismo. Pensar, refletir, viver, são, efetivamente, atos espíritas, e por estranha que pareça esta pretensão, ela prontamente se justifica após alguns minutos de exame por aqueles que admitem uma alma, um corpo e um intermediário entre essa alma e esse corpo; pelos que, como Pascal e Louis Blanc, consideram a Humanidade como um homem que vive sempre e aprende sem cessar; pelos que, como o Liberté, admitem que um homem possa viver sucessivamente em dois séculos diferentes e exercer sobre as instituições e a filosofia de seu tempo uma influência da mesma natureza.

Quer se esteja convicto ou não, pensar, ouvir a voz interior da meditação, não é praticar um ato espírita, se realmente existem Espíritos? Viver, isto é, respirar, não é fazer o corpo sentir uma impressão que se transmite ao Espírito por meio do perispírito? Admitir esses três princípios constitutivos do ser humano é admitir uma das bases fundamentais da Doutrina, é ser espírita ou pelo menos ter um ponto de contato com o Espiritismo, uma crença comum com os espíritas.

Entrai para o nosso meio abertamente ou pela porta oculta, senhores sábios, isso pouco importa, desde que entreis. A Doutrina vos penetra desde agora e, como a mancha de óleo, estende-se e cresce sem cessar. Vós sois dos nossos, porque a ciência humana entra a todo vapor nos domínios da filosofia e a filosofia espírita admite todas as conclusões racionais da Ciência. Sobre esse terreno comum, quer aceiteis ou não, quer deis às vossas concessões um nome qualquer, estareis conosco e a forma não nos importa, se o fundo é o mesmo.

Estais bem perto de crer e sobretudo de vos convencer, senhor de Girardin, que achastes conveniente tomar do Espiritismo suas palavras, suas formas e seus princípios fundamentais, para cativar os vossos leitores! E vós todos, poetas, romancistas, literatos, não sois um pouco espíritas, quando vossos personagens sonham com um passado que jamais conheceram, quando reconhecem lugares que jamais visitaram, quando a simpatia ou a aversão surgem entre eles ao primeiro contato? Sem dúvida fazeis Espiritismo, como os cenógrafos fazem as peças teatrais; para vós, talvez, ele seja um ardil, uma encenação, um quadro. Que nos importa! Não deixais de popularizar menos os ensinos que encontram eco em toda parte, porque muitos pressentem, sem poder definir, esses princípios de convicção sobre os quais as vossas penas sábias ou poéticas lançam a luz da evidência. O Espiritismo é uma fonte fecunda, senhores! É o inexaurível Golconda que enriquece o espírito e o coração dos escritores que exploram e dos que lêem as suas produções! Obrigado, senhores! sois nossos aliados, sem querer, talvez sem saber, mas nós vos deixamos o julgamento de vossas intenções, para só apreciarmos os resultados.

Lamentava-se a penúria dos instrumentos de convicções; o número de médiuns diminuía; seu zelo esfriava; mas agora, não é o poeta da moda, o literato cujas obras se disputam, o sábio encarregado de esclarecer as inteligências, os que popularizam e propagam por toda parte a nova convicção?

Ah! não temais pelo futuro do Espiritismo! Criança, ele escapou de todos os cercos do inimigo; adolescente, e adotado por bem ou por mal pela Ciência e pela literatura, não deixará a sua marcha invasora senão quando houver inscrito em todos os corações os princípios regeneradores que restabelecerão a paz e a harmonia por toda parte onde ainda reinam a desordem e as dissensões intestinas.

Allan Kardec