Sobre Judas Iscariotes e Joana d'Arc

Livro: Diário dos Invisíveis

Autora: Zilda Gama

 

17 de junho de 1923

 

Judas já expirou, em muitos séculos de ríspidas provas, as conseqüências de sua inesquecível falta. Tantos anos transcorridos após a tragédia do Gólgota, o seu delito, - para muitos, imperdoável, - acha-se, de todo, reparado. O traidor dos tempos idos já é um Espírito evoluído, acrisolado pela dor, um dos Emissários do Criador e já desempenhou entre vós grandiosa missão de devotamento, submissão às leis siderais e resignação, tendo padecido quase todos os martírios infligidos a Jesus, pois escolheu provas idênticas a fim de abreviar a sua redenção.

Vós o conhecestes com o nome de Joana d’Arc, a heroína de Orleans, a supliciada de Ruão, cuja existência tem notável semelhança com a do Nazareno. Ambos foram libertadores; um, de almas, outro, de povos.

Ambos conheceram a efêmera glória terrena e, logo após, tremendas decepções. Um, teve entrada triunfante em Jerusalém; outro, em Orleans.

Ambos foram traídos e abandonados, em transe aflitivo, pelos que deles se beneficiaram, terminando suas missões terrenas sob atrozes martírios.

Não estranheis, pois, que o Iscariotes seja mesmo a alma redimida de Joana d’Arc. Sabeis como ela finalizou sua dolorosa existência na França, tendo escolhido, voluntariamente, acerbas penas para resgate completo de suas culpas.

Desde o instante em que a consciência de Judas foi flagelada no pelourinho do remorso, ao passo que ascendia espiritualmente, melhor compreendeu a vastidão do delito que cometera contra Jesus e quis repará-lo de modo heróico.

Foram essas as derradeiras provas solicitadas pelo falso discípulo do Enviado Celeste; e a jovem de Domremy, antes de as consumar, as vozes de seus amigos invisíveis, quase todos seus antigos companheiros da Palestina, prometeram-lhe uma esplêndida vitória, que não era da Terra, como supuseram os seus sarcásticos algozes, mas dos mundos radiosos habitados por alma evoluídas.

No transcurso de quase dois milênios ocorreram as duas tragédias, a do Gólgota e a de Ruão. E é tempo de dizer-vos:

— “Perdão e esquecimento para os crimes de Iscariotes; glória à heroína de Domremy, a mesma alma transfigurada, redimida, iluminada, em dois corpos diferentes!”

Todos nós, Irmãos, como Iscariotes, temos tido as nossas quedas tremendas, os nossos desvios tenebrosos da senda da Virtude. Porém, o Senhor do Universo, na sua generosidade infinita, faculta-nos os meios de redenção. Por isso, também os concedeu ao traidor do meigo Nazareno, estendendo-lhe a sua mão salvadora.

Iscariotes, redimido, acrisolado pelos embates da dor e pelo desempenho dos mais penosos deveres, ele é, há muito, uma das mais rútilas glórias da humanidade e um dos mais dedicados servos da Majestade Suprema!

Allan Kardec